O Cheiro da Mercearia

Espaço onde funcionava a mercearia do Tio Aníbal

Estávamos em pleno mês de Agosto, numa tarde escaldante de verão.
A Rua do Poço, rua onde nasci e vivi até aos 19 anos, na Calheta Pêro de Teive, encontrava-se deserta, não se encontrava viva alma ou carros para perturbar a paz de tão pacata Rua, que á noite se vestia de tertúlia que durava até cerca das 24h00.
As soleiras das portas eram ocupadas por vizinhos e amigos.
Enquanto os adultos se ocupavam com a vida alheia ou a comentar o seu dia, ou a ouvir a rádio, a miudagem brincava ao “trinta e um” e ao “queimado”.
Naquela tarde não tinha seguido o meu habitual ritual, a ida ao meu imprescindível banho na antiga Piscina de S.Pedro.
Ainda hoje desconheço o motivo que me impediu de o cumprir. Apenas sei que apeteceu-me desenhar e como não tinha sebenta fui à mercearia do Tio Aníbal.
A sebenta era um caderno sem linhas constituído por 50 páginas
A mercearia do tio Aníbal era famosa pela variedade de produtos que ponha à disposição do seu cliente.
Mas para mim ela era algo mais.
Gravo na memória o rosto serrado do Tio Aníbal, a fazer contas ao “rol” dos fiados que eram cedidos às famílias dos pescadores, que se encontravam em campanha para a Terra Nova, na fauna do bacalhau. A sua inseparável bata, como mandavam os bons costumes, cada recanto do espaço e do seu inconfundível cheiro.
A tão famosa Mercaria do Tio Aníbal era constituída por um balcão com vitrina, que não tinha mais de 2 metros, onde se exponham os queijos.
Os bens de primeira necessidade eram vendidos maioritariamente a avulso.
A mistura dos cheiros, manteiga, açúcar, azeite, petróleo, farinha, grão, colorau, banha, marmelada, sabão e do vinho, aguardente, e anis vindo do espaço contíguo á mercearia, proibido à miudagem, a Taberna, entranhavam no papel da sebenta que não sabia se era do bacalhau da farinha, do petróleo ou do vinho.
Apenas sei que guardo na memória um cheiro agradável, O CHEIRO DA MERCERIA.

João Freitas