A Pesca do Bacalhau

USA 1978, eu a Leotina Rafael, a minha mãe e o Manuel Rafael

Esta modéstia crónica é uma homenagem aos valentes pescadores da minha terra.
Heróis, homens destemidos que enfrentando o mar iam em campanha á pesca do bacalhau na Terra Nova e na Gronelândia, contribuindo durante largos anos para a economia do nosso país.
Alguns eram amigos, Manuel Rafael, dos meus pais e até familiares, como o primo Silvestre Simões.
A pesca do bacalhau decorria durante seis meses entre Abril e Outubro. Era uma pesca à linha no meio de nevoeiros, ventos e tempestades, no frio de icebergs que muitas vezes eram fatais.
O método de pesca adoptado pelos portugueses era muito dura e foi introduzido com a compra dos barcos aos ingleses onde se manteve inalterado até aos anos 70 do século XX.
Este método baseado em pequenos barcos, Dóris, com cerca de 5 metros, em que cada homem tinha duas linhas, com um só anzol, e pescava de pé, desviado do barco principal (lugre) muitas vezes a perdê-lo de vista onde o perigo dos nevoeiros repentinos foi mortal para muitos pescadores.
Variadíssimas vezes estes Dóris envolvidos nas brumas dos grandes bancos da Terra Nova, desapareciam e eram encontrados vários dias após o seu desaparecimento. Exaustos, famintos com sede e enregelados de frio com as mãos ensanguentadas de tanto remarem.
Era sem dúvida uma faina para homens de coragem.
A pesca do bacalhau ou “faina maior” como era vulgarmente conhecida realmente não era para qualquer um, constantemente envoltos em perigos e privações de água e alimentos. A falta de higiene durante estes 6 meses era uma constante pois os pescadores recebiam um copo de água por dia e uma garrafa de litro de 8 em 8 dias, o que não dava nem para lavar os pés.
Muitos dos homens sentiam-se afortunados por adoecerem, porque tinham de ser evacuados para o navio hospital (Gil Eanes) onde eram tratados e poderiam descansar por alguns dias.
Em terra ficavam á sua sorte as mulheres e filhos destes homens, que durante estes seis meses tratavam da casa e dos filhos.
A alimentação dos filhos era garantida graças aos fiados nas mercearias da freguesia.
Os donos aguardavam até ao mês de Outubro para poderem receber as contas.
Muitas vezes era a Mutua dos Pescadores que ia fazer as contas com o merceeiro, sinal que o homem tinha ficado nos bancos da Terra Nova onde tantos ali já jaziam.
São duas as recordações que tenho desse tempo o óleo de fígado de bacalhau que era obrigado a tomar e a procissão do regresso dos pescadores em honra do seu padroeiro, São Pedro.

João Freitas