Coragem e Honra

O meu tio Manuel Palheiro e eu

Na crónica da semana passada falei-vos dos pescadores da Calheta e do meu bisavô que tinha desaparecido no mar, hoje vou-lhes contar este trágico acidente.
No dia 3 de Fevereiro de 1919, o tempo ameaçava temporal, mas o chamamento do mar e a responsabilidade de sustentar a família foi mais forte que a prudência do meu bisavô e do meu tio-avô Manuel.
Ambos os irmãos embarcaram na sua pequena embarcação à vela para o lado de S. Roque, para colocarem os “cofres” às lagostas. Durante a azafame o tempo virou de feição, o vento soprou forte levando consigo a vela da embarcação, a ondulação levantou-se e virou o pequeno bote.
O meu bisavô, segundo contam os que ouviram a história era um exíguo e destemido nadador, um homem de coragem que perante as situações mais aflitivas dava animo aos companheiros de bordo. Mau agoiro o meu tio Manuel Palheiro não sabia nadar. Antevendo o perigo do seu irmão se afogar, o meu bisavô consciente que poderia salvar o irmão, não pensou duas vezes, heroicamente com muito esforço agarrou no irmão e colocou-o a salvo em cima da embarcação, virada. O momento era dramático mas havia que tomar uma atitude, então o meu bisavô, João, convenceu o irmão que apenas ele os poderia salvar, agarrou num remo deu-o ao irmão ordenando que remasse, enquanto ele iria a nado a terra pedir ajuda, O meu tio assim fez, enquanto remava ouvia os gritos do irmão a incentivá-lo “…Manuel rema…rema…Manuel…”. Passado algum tempo o meu tio deixou de ouvir o meu bisavô, desesperado gritava por socorro, mas não aparecia viva alma.
Após algum tempo avistou um cargueiro Americano que o salvou, mas do meu bisavô até hoje.
Sempre conheci o meu tio Manuel Palheiro como um homem sério mas bondoso. Honrado, dizia o povo, cumpridor das suas promessas. Quando adolescente contaram-me o porquê da sua seriedade então entendi que aquele homem carregava o duro fardo de saber que o seu irmão tinha perdido a vida em alto mar e tinha deixado três órfãos e que o mesmo tinha afirmado “ Enquanto eu for vivo, trabalharei para os meus sobrinhos, já que o mar não deixou o pai chegar a terra “.
O meu tio Manuel cumpriu com a sua palavra, criou os 3 órfãos, sendo a minha avó paterna uma das crianças, toda a sua vida fez da pesca a sua profissão, vivia honradamente do que ela lhe dava e ainda ajudava quem precisava.

João Freitas